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'Enfrentar a discriminação é pior que superar deficiência', diz presidente do Ismac



Telma Nantes foi impedida de assumir vaga após ser aprovada em concurso pelo fato de ser cega.
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Foto: Valdenir Rezende/Correio do Estado
Telma Nantes: Dificuldades e preconceito enfrentados pelos cegos



A luta da pedagoga Telma Nates de Matos, que já se arrasta por quase três anos na Justiça, não é somente dela, mas sim de todas as pessoas com deficiência. Ela foi impedida de assumir vaga na Educação Infantil após ser aprovada em concurso da Prefeitura de Campo Grande. Para Telma, não há dúvidas de que ela foi vítima de discriminação e pretende ir a todas as instâncias, até mesmo à Organização das Nações Unidas (ONU), para garantir que outros deficientes não tenham de enfrentar a mesma dificuldade. Nesta entrevista, ela conta ainda sobre as atividades do Ismac, do qual é presidente.

CORREIO PERGUNTA Como foi a implantação do Ismac no Estado?
TELMA NANTES O Instituto foi fundado em 1957 por Florivaldo Vargas. Na época, ele mobilizou toda a sociedade campo-grandense para a necessidade de criar um centro de atendimento às pessoas com deficiência visual. Inicialmente, fundou a Sociedade para Cegos que funcionava como casa de amparo. Florivaldo Vargas era deficiente visual, da cidade de Lins, e trabalhava como cobrador, viajando por todo Estado. No início, a entidade ficava na Rua 7 de Setembro. Muitas crianças ficavam internadas na instituição, que chegou a abrigar mais de 120 pessoas. Desde o começo, ele teve a visão de inclusão, oferecendo atendimentos complementares na instituição, pois as crianças, adolescentes e adultos frequentavam escola comum e universidade. A professora Nazaré Pereira Mendes também foi uma das precursoras da inclusão.

Por que as pessoas moravam antes no instituto?

A maioria das famílias do interior não tinha condições de trazer as crianças para atendimento em Campo Grande, mas, na década de 80, foi eliminando o internato.

Quais princípios são mantidos desde a fundação?
Florivaldo Vargas fundou a instituição com a filosofia de inclusão das pessoas com deficiência visual na educação, no desporto, na cultura, no lazer e no mercado de trabalho. Seguimos essa mesma filosofia, com fortalecimento do apoio à educação especializada e apoio pedagógico.
O que é oferecido hoje no Ismac? 
Hoje vivemos um momento histórico, por meio de parceria com o Ministério da Saúde e das secretarias estadual e municipal de Saúde, pois passamos a ser reconhecidos como Centro de Reabilitação Visual. Contamos com setor de oftalmologia, avaliação funcional da visão, indicação de órtese e próteses oculares (oferecendo desde bengalas, lupas e óculos especiais para pessoas de baixa visão) e todos os atendimentos que compõem o programa de reabilitação. Há ainda o serviço social e de psicologia que orienta a pessoa e sua família, além de orientação para a vida diária, mobilidade e desenvolvimento da criança e do adolescente. Com a parceria teremos possibilidade de fortalecer esses programas e atender um público maior e com mais qualidade.
Quantas pessoas são atendidas? 
No total atendemos 196 pessoas que frequentam o Instituto nos diversos programas e 580 cadastradas que vem temporariamente para receber orientações. Também desenvolvemos atendimento educacional especializado, com sala de recursos, ensino no sistema braile, biblioteca e sala de informática, que viabiliza recursos pedagógicos para que as pessoas estejam nas escolas e universidade com qualidade. Outro ponto é o desenvolvimento e a capacitação para o mercado de trabalho e o departamento de desporto, onde contamos com 27 atletas no ranking nacional e internacional, oferecendo atividades como golbol, futsal e judô. A atleta Michele Ferreira ganhou o bronze em Pequim (Olimpíadas) e está indo para a Olimpíada de Londres para tentar o ouro para o Brasil. Outro destaque são as atividades culturais, como dança, teatro e coral.
Tivemos alguns avanços nas políticas de inclusão no aspecto educacional e também na acessibilidade, mas qual continua sendo a maior dificuldade? 
No dia 17 de novembro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff lançou o programa “Viver sem Limites”, que cria condições financeiras aos estados e municípios para ações de acessibilidade, inclusão nas escolas, assistência social e desenvolvimento de tecnologias para auxiliar pessoas com deficiências. Esse programa trará uma grande evolução. A necessidade dessas ações ganhou força na convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre direitos das pessoas com deficiências, a qual foi ratificada pelo Brasil e tem status de emenda constitucional, como uma lei. Ela preconiza que as pessoas sejam protagonistas da inclusão social e que poder público viabilize recursos para isso. Exige, por exemplo, que as cidades sejam acessíveis no transporte público e nas calçadas.
E o acesso aos deficientes visuais no ensino superior e no mercado de trabalho? 
No Brasil temos diversos profissionais atuando em diversas áreas. São 25 milhões de pessoas com deficiência. Nós nos formamos, fazemos especializações, mas quando nos deparamos com o mercado de trabalho ainda há certa barreira, pois as pessoas, muitas vezes, observam a deficiência como limite. Primeiramente temos de observar a pessoa, o que é possível o profissional com deficiência desenvolver. Logicamente, não será possível fazer algumas atividades, mas a lei garante que o empregador precisa criar condições para que essa pessoa desenvolva o trabalho. Temos essa luta pela formação técnica e pela colocação no mercado de trabalho. Muitas empresas dão desculpa de que não há pessoa com formação, mas a questão é que a pessoa com formação não quer receber um salário menor apenas pela deficiência. Temos de observar o potencial e o currículo, não rotular se a pessoa é cega e assim imaginar que não dá conta desse trabalho.
Você enfrentou essa dificuldade quando não aceitaram que assumisse a vaga para qual foi aprovada em concurso? 
Na verdade, enfrentar a discriminação foi muito mais difícil do que enfrentar a própria deficiência. É mais fácil superar a deficiência do que a discriminação. Você supera a deficiência, reabilita-se, tem sua formação, especialização, histórico de trabalho, faz concurso enquanto pessoa com deficiência, é aprovada, mas não é aceita. Todas as legislações falam que o empregador tem de dar condições para receber essa pessoa e respeitá-la. Isso foi uma situação horrível que eu vivi. O poder público deveria fazer a inclusão acontecer, mas foi o primeiro a discriminar. Não tive outra maneira de reivindicar a não ser entrando na Justiça e também pedindo danos morais. A partir do momento que me discriminaram entrei na Justiça porque a causa não é mais minha, mas das pessoas com deficiência de todo o Brasil. Quando vou a palestras ou eventos sou procurada para explicar sobre esse caso. Essa causa é do movimento e de cada pessoa com deficiência.  
Entrevista publicada na edição deste domingo (15) do jornal CORREIO DO ESTADO

Fonte: Correio do Estado

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