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Reportagem mostra histórias de quando a deficiência se torna coadjuvante.


Conheça histórias de quem aprendeu a conviver e a lidar com as próprias necessidades especiais.
[ i ]Professor Joaquim Manoel Pinheiro Filho conduz sessões de reabilitação na Vila Olímpica de Manaus.
Manaus - “Pessoas com deficiência são, antes de mais nada, PESSOAS. Pessoas como quaisquer outras, com protagonismos, peculiaridades, contradições e singularidades. Pessoas que lutam por seus direitos, que valorizam o respeito pela dignidade, pela autonomia individual, pela plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e pela igualdade de oportunidades, evidenciando, portanto, que a deficiência é apenas mais uma característica da condição humana”. O trecho acima, retirado da apresentação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi escolhido para ilustrar o objetivo desta matéria.
A seguir, a reportagem do Portal D24AM apresenta crianças e adultos com deficiência, além de familiares engajados com a garantia da qualidade de vida, que militam espontaneamente em prol da inclusão social. Basta vê-los nadar, correr, rir, brincar, enfim, viver, que torna-se claro o quanto a deficiência pode, sim, ser relegada ao posto de mera coadjuvante nas histórias de suas vidas.
Do paciente Dimitri...
Herói nos sonhos e candidato a detetive na vida real, Matheus Dimitri da Silva, 7, teve sua deficiência identificada ainda no primeiro de mês de gravidez da mãe, a dona de casa Darcley Silva, 29. Desesperada, ela, que já tinha o pequeno David Vinícius Lima, hoje com 10 anos, admitiu ter considerado medidas drásticas. “O médico sempre me consultava e pedia para voltar quatro semanas depois. A ideia que tive no primeiro mês, de tirá-lo, foi ficando de lado, pois percebi a necessidade que ele tinha de mim”, disse. “Em uma dessas consultas, ele veio e me disse ‘se não quiser ficar com ele, pode me dar’. Foi a última vez que nos encontramos”, prosseguiu.
Nascido após oito meses de gestação, Dimitri foi diagnosticado com mielomeningocele, má formação congênita que afeta a medula espinhal. “Ficamos 20 dias na maternidade até sermos liberados. Ele passou por uma cirurgia de correção, para poder ir para casa, mas fomos avisados de que ele precisaria de fonoaudiólogo, pois poderia perder a fala com o passar do tempo”, informou.
A hidrocefalia, outro problema decorrente da doença, também surgiu e Darcley decidiu procurar ajuda fora do Estado. “Eu me vi entre três instituições e optei pela AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente). Lá, ele foi submetido à cirurgia apenas uma vez”, disse. “Ficamos indo e voltando, mas em prol dele, da vida dele, decidi ficar”, completou.
Após um ano com duas sessões de tratamento semanais, Dimitri foi apontado pela equipe médica como uma das crianças que mais evoluiu. “Hoje, ele movimenta as pernas e até fica de pé por alguns instantes. Antes, sequer sentia a região do joelho para baixo. Fico muito feliz em poder ter, inclusive, a esperança de vê-lo andar. A AACD me garantiu que é possível”.
...ao super Dimitri
Peralta, Dimitri mostrou em pouco mais de uma hora no Largo São Sebastião (locação da entrevista) que é uma criança como qualquer outra da mesma idade. Na cadeira de rodas, passeou sozinho por mais da metade da praça, superando obstáculos como pedras soltas e degraus. Até ensaiou uma malcriação ao ser requisitado, mais uma vez, a posar para fotografia. “Quero aqui”, esbravejou, distante, pelo menos, 10 metros da equipe de reportagem.
Cansado e com as maçãs do rosto vermelhas, devido ao calor, ele resolveu sentar e responder a algumas perguntas. Soube-se assim que o menino gosta de futebol, é flamenguista — não sabe porque — e adora assistir e aparecer na TV (ele foi garoto-propaganda da AACD em 2010 e participante do Teleton, no SBT, até o ano passado). “Conheci a Hebe. Ela olhou para mim e disse ‘mas que gracinha, mas que fofura’”, comentou. Ao falar dos passatempos, citou pingue-pongue, Playstation 3 e tudo o que fizer com o irmão. “Quando crescer, quero ser detetive, para ajudar as pessoas. Se eu perder o emprego, vou fazer artes — escultura, pintura. Sou bom de desenhar. Só preciso fazer aulas”, finalizou o falante garoto.
A dedicação de Joaquim
Formado em Educação Física, especializado e mestrando em Educação Especial. É com esse currículo que o professor Joaquim Manoel Pinheiro Filho conduz sessões de reabilitação na Vila Olímpica de Manaus. O diferencial, porém, está no fato de o professor não ver simples alunos, mas potenciais atletas. “Temos aqui garotos e garotas com diferentes tipos de deficiência. Sou formado em Educação Especial desde 1984 e aprendi, na prática, que muitos talentos para o esporte podem ser obtidos após trabalho intensivo”, afirmou.
Como exemplo, o professor listou inúmeros resultados positivos em competições de futsal, judô, natação e atletismo desde a década de 1990. Ao apresentar cada aluno, convocando um a um a sair da piscina, ele identificava a deficiência e o modo como a mesma foi ‘driblada’ com tratamento e treino intensivo. “Meu trabalho não é para mim, é para Deus. Me sinto super realizado como profissional, mesmo não ganhando um salário que faça jus aos resultados”, disse. “Eu também me considero um dos homens mais felizes do mundo. Essa criançada e os pais deles e delas são meus amigos. Sou um professor rígido, sim, mas tudo para fazê-los acreditar de que a superação é possível”, argumentou.
Vitória em todos os sentidos
Uma intensa dor no joelho de Vinícius Nascimento, à época com 11 anos, terminou de forma trágica para o então candidato a craque do futsal. Diagnosticado erroneamente com osteomelite, ele foi operado e acabou perdendo parte da perna direita, vítima de câncer. “Era, na verdade, um osteosarcoma, um câncer ósseo. Em Manaus, ele teve até o fêmur raspado e fraturado. Depois que os médicos daqui deram um ano de vida para ele, nós nos mudamos para São Paulo. A necrose, porém, estava em 98% da perna e a amputação foi a saída”, explicou o estudante de arquitetura Thiago Nascimento, 33, pai do garoto hoje com 14 anos.
A família retornou a Manaus ano passado e Vinícius foi matriculado na turma de Joaquim somente após liberação médica. De acordo com o pai, era a única modalidade recomendada. “A evolução é enorme, tanto em termos de desempenho, quanto de comportamento. Sinto que meu filho já se sente bem melhor consigo. Mesmo com a prótese, ele não abre mão de andar de calção”, comentou Thiago. Vinícius, por sua vez, disse considerar a sensação de nadar como “incrível”. “Até já sonho ser um atleta paraolímpico”, emendou.
Diagnosticada com paralisia cerebral, Stéfany Trindade é outra aluna de Joaquim. “O progresso é gigantesco. Até projeto minha filha como uma campeã nacional. Antes daqui, ela nem sabia nadar. Atualmente ela faz 1,6 mil metros”, confessou o comerciante Leomax Trindade, 42, pai da atleta. “E é com garra, determinação e muito apoio da família e do professor Joaquim que miro esse mesmo objetivo”, completou Stéfany.
Cheine e amor pelo próximo
Aos 32 anos e com somente 5% da visão no olho esquerdo — no direito, a cegueira é total —, o servidor público Cheine Araújo comanda uma iniciativa ambiciosa: a associação sem fins lucrativos Ame o Próximo. “Levei duas a três semanas ininterruptas elaborando um estatuto e comuniquei aos meus amigos. A ideia surgiu do fato de eu ser deficiente e sentir na pele todas as dificuldades do nosso cotidiano. E isso não é só em Manaus, mas em todo o Brasil”, decretou.
“Assim, a fundação de uma ONG (Organização Não-Governamental) — no caso, a Ame o Próximo — vem para tentar contornar esses problemas. É quando o poder público mostra que não tem capacidade para tal, que precisamos nos mover em prol de melhoria”, prosseguiu Cheine, explicando que a ideia tem embasamento em propostas oferecidas por 18 organizações nacionais do gênero em todo o País (essa será a primeira na região Norte).
Segundo ele, o trabalho terá como base o tripé: educação, esporte e saúde. “No primeiro ponto, visamos intruir os deficientes quanto aos seus direitos, além de qualificá-los para o mercado de trabalho e, mais especificamente, para concursos públicos”, disse. “Eu fui atleta de natação e vi o quanto falta apoio. Deixei de competir em Pan-Americanos por causa disso. Diante desse quadro, planejamos promover a prática esportiva tanto como tratamento quanto competitivamente”, complementou.
Por fim, ele explicou que a saúde será desenvolvida na organização por meio de um corpo de voluntários. “Serão médicos, oftalmologistas, fisioterapeutas, ortopedistas, psicólogos, enfim, todos os que compartilharem desse objetivo”, explicou.
Cronograma
No dia 20 de setembro, será realizada a assembleia constitutiva da Ame o Próximo. O passo seguinte é a formalização, cujo resultado é a criação de pessoa jurídica. “Daí em diante, buscaremos parcerias e convênios para levantar uma estrutura própria. Hoje, estamos em uma provisória, mas já temos um arquiteto colaborador com um projeto em mãos”, informou, ao ressaltar que as atividades serão iniciadas em outubro. E aos que quiserem se juntar a Cheine nessa empreitada, o número para contato é 8119-6728.

Fonte: d24am 

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